“O QUERERES”
O desejo e a falta através da canção
“Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és”
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és”
Retorno a este trabalho que desenvolvi no decorrer de minha especialização,
onde lanço mão de uma das minhas canções favoritas, enquanto instrumento para
expressar através da arte, o conceito do desejo para a psicanálise.
Esta canção, que foi escrita em 1984 por Caetano, utiliza da
antítese como sua principal característica. Onde quer um, sou outro, quando
sou, não o queres. Apontando para a impossibilidade da plena satisfação, na
lacuna entre o sujeito e o outro, fadado a deparar-se com sua incompletude e
com a daquele que na canção o deseja.
O sujeito, sempre dividido, por ser sujeito, para ser um
sujeito.
Luciano Elia, em O Conceito de Sujeito, menciona a canção,
dizendo que: “traduz magnificamente a concepção psicanalítica do desejo, que
impede “a mais justa adequação, tudo métrica, rima e nunca dor””.
Ressaltando que o $ não nasce ou se desenvolve, mas se
constitui, já que para tornar-se humano, precisa alienar-se ao Outro, enquanto
ser pulsional e não do instinto. E seria então, neste encontro que um outro
ocupa lugar do Outro, “o tesouro dos significantes”. É neste encontro com a
linguagem que o pretendente a sujeito se depara com a sua primeira e
fundamental divisão, a da linguagem. E para tornar-se sujeito, precisa perder,
pois na luta entre a morte e a vida, “a bolsa ou a vida”, o ser e o sentido,
escolhe o sentido e perde o ser.
Retornando ao desejo, volto-me a outro momento: a separação,
que aponta que o Outro também é faltante. Este Outro que advém de um outro, que
vem a ocupar este lugar. E é diante deste Outro barrado que se revela a perda
do objeto.
"A separação supõe uma vontade de sair, uma
vontade de saber o que se é para além daquilo que o Outro possa dizer, para além
daquilo inscrito no Outro” (Soler, 1997, p. 65).
É a partir da separação que possibilita uma
diferenciação entre o sujeito inconsciente e o Eu.
Já que o objeto falta, o sujeito pode tornar-se
desejante – logo: o desejo só existe na falta. Saciado, permaneceria inerte,
sem movimento, sem demanda. É então diante da falta do objeto que se constroem
as vias da fantasia.
O desejo sempre nasce da frustração na sua relação na busca com uma primeira satisfação que não será revivida, estabelecendo então um jogo de demanda entre desejo e falta. Lembrando o matema da fantasia de Lacan: $<>a.
Quinet, quando trabalha “o desejo do Outro”, ressalta o aforismo de Lacan: o desejo do homem é desejo do Outro, retomando as teses Heglianas onde “ a palavra é o assassinato da coisa”, sendo assim, para que o desejo se constitua, ele precisa incidir sobre outro desejo. Sendo o desejo humano: desejo de desejo. Na busca de que seu desejo seja reconhecido pelo Outro, como se fosse seu. E é nesta relação que surge o “Che vuoi?”- “O que queres? O que queres de mim?”.
Freud nos ensina um desejo sempre conflituoso, por suas origens infantis e objetos proibidos, provocando assim a angústia. E é na busca por um objeto que cumpra esta missão, de completar uma lacuna deixada, que o sujeito caminha. Numa saga onde não se diz tudo, não há um todo, pura reciprocidade, um só. E a canção nos lembra do que há de árduo no desejo – a falta.
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor...
SOUZA, Vanuza A. Barcellos. 2020.
Referências
QUINET, A.
(1991). As 4+1 Condições da Análise. Rio de Janeiro: Zahar.
QUINET, A. (2000). A descoberta do Inconsciente.
Rio de Janeiro: Zahar.
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Maria Angélica Mello; BESSET, Vera Lopes. Psicologia em Estudo, Maringá, v.
16, n. 2, p. 317-324, abr./jun.
2011
FREUD, S. (1914-1916). Introdução ao Narcisismo, ensaios
de Metapsicologia e Outros Textos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
________. Além do princípio de prazer [1920-1922].
In: Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
________. (1915) Os Instintos (as pulsões) e seus
Destinos.
________. (1915) O Inconsciente.
FERNANDES, Nohad Mouhanna. (2006). Análise
linguístico-discursiva da canção “O quereres”, de Caetano Veloso. v. 2, n.
4 – jan./jun.
LACAN,
J. Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. In. O
Seminário, livro 11. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1988(1964).
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